quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

“EU, VOCÊ E OS OUTROS”, A DICA DE NATAL DA EDITORA SEXTANTE

Uma das sugestões de Editora Sextante para este Natal e para as férias é o livro “Eu, você e os outros”, do jornalista Fernando Bond. O livro (92 páginas, R$ 14,90), lançado em todo o país com grande sucesso a partir da Bienal do Rio de Janeiro, em setembro, oferece uma oportunidade ao leitor de fazer uma reflexão sobre sua vida. Ao longo dos capítulos, o livro  encontra 14 pausas para pensar, através das quais o leitor pode escrever seu próprio roteiro e inclusive o seu próprio final.
“Eu, você e os outros” tem uma proposta: ajudar os outros pode ser o melhor caminho para ajudar a si mesmo.  “Mas, atenção, isso não significa que temos que abrir mão de nós mesmos. Pense num avião: qual é a orientação da equipe de bordo em caso de despressurização da cabine? Primeiro ponha a máscara de oxigênio em você, para depois ajudar os outros”, lembra o autor. Se você quiser saber mais ou até comprar o livro pela internet, acesse em www.esextante.com.br. Clique em Não Ficção e vá até a página 4. Ou então clique em Autoajuda e siga até a página 14.

Fernando Bond autografando seu livro na ultima Bienal do Rio de Janeiro



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

CATARATAS DO IGUAÇU ATRAÇÃO MUNDIAL



Pedimos aos nossos seguidores e amigos do Caminho do Peabiru que não deixem de colaborar para eleger as Cataratas do Iguaçu como uma das 7 novas maravilhas da natureza. A região de Foz do Iguaçu, onde estão localizadas as mais belas cataratas do mundo, faz parte do fascinante Caminho do Peabiru, objeto das nossas pesquisas e estudos que tem a finalidade de recuperar, conservar e transformar em atrativo turístico este caminho com mais de 4 mil quilometros que unia oceanos Atlântico e Pacífico, integrando todos os povos indigenas no passado.

Acesse o site destinado exclusivamente para receber o seu voto e dos seus amigos.






A LENDA DAS CATARATAS

Conta-se que os índios Caigangues, habitantes das margens do Rio Iguaçu, acreditavam que o mundo era governado por M'Boy, um deus que tinha a forma de serpente e era filho de Tupã. Igobi, o cacique dessa tribo, tinha uma filha chamada Naipi, tão bonita que as águas do rio paravam quando a jovem nelas se mirava. Devido à sua beleza, Naipi era consagrada ao deus M'Boy, passando a viver somente para o seu culto. Havia, porém, entre os Caigangues, um jovem guerreiro chamado Tarobá que, ao ver Naipi, por ela se apaixonou.

No dia da festa de consagração da bela índia, enquanto o cacique e o pajé bebiam cauim (bebida feita de milho fermentado) e os guerreiros dançavam, Tarobá aproveitou e fugiu com a linda Naipi numa canoa rio abaixo, arrastada pela correnteza. Quando M'Boy percebeu a fuga de Naipi e Tarobá, ficou furioso. Penetrou então as entranhas da terra e, retorcendo o seu corpo, produziu uma enorme fenda, onde se formou a gigantesca catarata.

Envolvidos pelas águas, a canoa e os fugitivos caíram de grande altura, desaparecendo para sempre. Diz a lenda que Naipi foi transformada em uma das rochas centrais das cataratas, perpetuamente fustigada pelas águas revoltas.

Tarobá foi convertido em uma palmeira situada à beira de um abismo, inclinada sobre a garganta do rio. Debaixo dessa palmeira acha-se a entrada de uma gruta sob a Garganta do Diabo onde o monstro vingativo vigia eternamente as duas vítimas.



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

YTAPECU - RIO CAMINHO ANTIGO

Nossa postagem de hoje volta a ser  o trabalho elaborado pelo pesquisador Jose Alberto Barbosa, nosso colaborador de Jaraguá do Sul. Região esta que abriga o estuário do rio itapocu, por onde passava o Caminho do Peabiru, saindo da orla marítima de Santa Catarina e adentrando ao sertão.



Mas afinal de contas, para que abrir um caminho tão grande, em forma de vala, forrado de gramas, se não fosse para uma grande quantidade de gente usar e por muito, muito tempo? E, especialmente, quem foi o misterioso autor desse quase fantástico caminho? É do que tratarei a seguir, resumindo a lenda de Tumé (Sumé) e analisando-a criticamente. E demonstro que Tomé ou Tumé (Somé; Sumé) não houve tão somente um deles dentre os índios, porém, houve dois, um muito mais antigo, em tempos arcanos; o outro em tempos da abertura do Peabiru, talvez. Porisso que adiante, para facilitar a compreensão desse exame, apelo-os respectivamente Tomé I e Tomé II (ou Tumé I e Tumé II).


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

EU VOCÊ E OS OUTROS



Conforme anuciamos na ultima postagem, comesa a ser lançado a nivel nacional o livro EU VOCÊ E OS OUTROS, de autoria do jornalista e escritor Fernando Bond. O lancamento já ocorreu no Rio de Janeiro, Curitiba e Florianópolis e devera ser lançado em outras diversas capitais e grandes cidades do pais. Estamos postando algumas entrevistas em televisão concedidas pelo autor do livro.



HISTÓRIA DO CAMINHO DE PEABIRU

O texto que estamos postando hoje tambem faz parte do livro História do Caminho de Peabiru, da jornalista e escritora Rosana Bond nossa colaboradora.


Para os interessados em adquirir o livro “História do Caminho de Peabiru” dirigir-se à Edirora Aimberê e Jornal a Nova Demecracia. Fones: (21) 2256 6303 e 2547 9385. site: http://www.anovademocracia.com.br/ e-mail: anovademocracia@uol.com.br / comercial@anovademocracia.com.br . Em Santa Catarina pelo telefone: (48) 3335 0150.

Uma assombrosa rede de vias

Como vimos antes, além de utilizarem trajetos pré-existentes abertos por outras tribos, os guaranis também construíram para suas migrações ou intercâmbios, uma enorme rede em todo seu vasto território paraguaio, brasileiro, boliviano, argentino, uruguaio.

Muitos desses caminhos, porém, não eram simples trilhas abertas na mata, conforme Moisés Bertoni. Possuíam uma característica muitíssimo interessante, de serem rotas gramadas, cuja abertura e manutenção envolviam uma notável criatividade.



Eis o que contou o cientista:

“Tinham os guaranis grandes vias de comunicação que lhes permitiam manter-se facilmente informados de tudo o que ocorria nas diferentes regiões da dilatadíssima superfície que ocupavam.

O sistema (de construção de caminhos) era muito fácil e engenhoso.

Abriam picada no mato e depois de limpá-la com certa prolixidade, a semeavam de trecho em trecho com sementes de duas ou três espécies de gramináceas, especialmente uma cujos brotos se propagam com suma facilidade.

As plantas que nasciam logo cobriam completamente o solo e podíam impedir o crescimento de árvores e ervas; sem elas a picada ficaria oculta.

Essas gramináceas tão bem escolhidas tinham a especialidade de ter sementes glutinosas ou sedosas, de tal maneira que grudavam espontaneamente nos pés e pernas dos (índios)viajantes.

Bastava plantá-las a grandes distâncias, de légua em légua por exemplo, para que em pouco tempo, um ou dois anos talvez, ficasse o caminho atapetado por uma cobertura que impedia o crescimento de arbustos e ervas daninhas que pudessem obstruí-lo”. (126)

Abrindo um parêntesis: é curioso notar que nos anos 1600 e 1700, os jesuítas informaram que o longo caminho entre São Paulo e o Paraguai, que disseram ser chamado de Peabiyu ou Peabiru, possuía características semelhantes, ou seja, era forrado por gramíneas.

Voltemos ao que se dizia.

Segundo o cientista suíço, tal método possibilitou aos guaranis a implantação de uma malha de caminhos “assombrosa”:

“Devido a esse procedimento, os povos guaranis puderam abrir vias de comunicação verdadeiramente assombrosas.

Uma dessas vias passava do Guairá (Obs: Grande área que abrangia parcela do Paraguai, toda a faixa oeste do Paraná, e também a zona centro-norte e centro-sul do estado) à costa do Brasil.

Outra saía da costa de Santa Catarina e chegava ao Salto Iguaçu. Outra, desde o Salto Iguaçu passava à região do Guairá. Uma continuação da mesma, desde o Salto Iguaçu, chegava a (ilha) Parehá para ir à serra do Tape, onde havia outra nação guarani confederada.

Da serra dos tapes seguia até a costa do mar, como outra que provavelmente saía da Ilha dos Patos (Obs: Aqui ficamos em dúvida se ele referia-se a Florianópolis/SC ou lagoa dos Patos/RS ).

Desde Parehá, saía outra via que chegava seguramente até perto de Assunção, provavelmente por Lambaré, centro dos carios.

Por fim, outra via, de Parehá ou do Iguaçu saía tomando uma direção Nordeste, passava a visitar os tobatins. E cruzando os territórios dos tarumás punha seguramente os itatins em contato com todo o resto da confederação (guarani)”. (127)


Para que se entenda melhor a descrição de Bertoni, esclarecemos:


Tapes – Foi o nome que se deu aos guaranis que habitavam entre os rios Grande e Uruguai, abrangendo o interior do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e o norte do Uruguai.


Carios – Foi o nome que se deu aos guaranis que habitavam uma faixa nas confluências dos rios Ypané, Jejuí, Manduvirá, Pilcomayo com o rio Paraguai, incluindo Assunção e áreas ao sul da capital paraguaia. Ocupavam também as praias do Atlântico, onde foram chamados pejorativamente de “carijós” (como as galinhas), no século 16, pelos invasores europeus e mais tarde pelos bandeirantes.


Tobatins – Foi o nome que se deu aos guaranis que habitavam a zona do rio Manduvirá, no Paraguai, limite entre os departamentos de San Pedro e Cordilheira.


Tarumás – Foi o nome que se deu aos guaranis que habitavam as serras de San Joaquin e matas do rio Jejuí, no Paraguai.


Itatins – Foi o nome que se deu aos guaranis que habitavam ao norte do rio Manduvirá, na região dos rios Ypané, Apa e Miranda, hoje áreas paraguaia e brasileira (Mato Grosso do Sul).


Além dessa versão de Bertoni sobre a rede terrestre guarani (Peabiru e demais caminhos) existem várias outras.

Cronistas da época da Conquista e estudiosos modernos apresentaram trajetos diversos, principalmente para o Peabiru. Entre eles estão alguns incompletos ou contraditórios, fato que transformou o assunto num quebra-cabeças complicado de montar.


(Obs: Sobre esses trajetos, ver Volume 2, que deverá ser lançado em 2012)


Embora tenham se destacado por suas rotas terrestres como vimos, os guaranis também utilizaram caminhos fluviais. Navegavam por trechos dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai, Prata e vários de seus afluentes.

Se dizemos “por trechos” é porque existiam tribos adversárias em diversos pontos desses rios, que impediam ou dificultavam a passagem dos guaranis.

Estes eram bons canoeiros, mas não chegaram a ter a fama dos paiaguás por exemplo, tidos como “donos” do rio Paraguai, como disse Gonzalez Torres:


“(Os Paiaguá) paleolíticos, fundamentalmente pescadores, grandes canoeiros, belicosos, de grande mobilidade fluvial, também caçadores, eram os donos do rio Paraguai desde a desembocadura do Bermejo no sul, até a terra dos Guasarapo no norte (do território paraguaio)”. (128)


O domínio paiaguá sobre grande parte do rio poderia ser um dos motivos pelo qual o Peabiru, na zona paraguaia, parece ter sido um caminho preferencialmente terrestre e não fluvial.


O território nas pernas

Como já dissemos os guaranis têm, até os dias de hoje, um profundo respeito pelos caminhos. O “caminho”, o “caminhante” e o “caminhar” são realidades e conceitos preciosos dentro do seu complexo mundo cultural.

Tanto que eles, notadamente os mbyás, orgulhosamente se autodefinem como tapejaras.

Esta palavra algumas vezes aparece traduzida como “povo sempre em movimento”.

Mas Werá Tupã (Leonardo) deu-me outra explicação. Foi na noite de 14 de outubro de 2006, na aldeia de Imaruí, litoral sul de Santa Catarina. Eu e a amiga Eliana Passos havíamos levado Werá de carro àquela aldeia, onde ele desejava visitar alguns familiares, e fomos convidadas a dormir lá.

Nos sentimos honradas, pois nunca ou quase nunca os guaranis permitem que juruás pernoitem em suas comunidades. Nós e o pequeno Victor, filho de Eliana, fomos alojados num rancho, ao lado do rio dos Inácios. A construção pertencera ao antigo dono daquelas terras, que há alguns anos foram adquiridas pela Funai.

Quando anoiteceu, uma fogueira foi acendida no centro do rancho e logo surgiu o pajé Timóteo, com o cachimbo tradicional (petynguá) e a cuia de chimarrão. Sentados em volta do fogo, fumando e tomando o mate, conversamos por horas.

Foi então que perguntei a Werá Tupã o que significava a palavra e porque os guaranis se definiam como tapejaras.

E ele respondeu o seguinte:


“Nós somos tapedjá porque sempre estamos no caminho.

Falam muita coisa, mas de verdade essa palavra significa ‘guardião dos caminhos’, ‘guia dos caminhos’, ou ‘dono dos caminhos’.

Não quer dizer só guia de estrada, mas também do caminho espiritual.”


Apesar de curto o esclarecimento de Werá reforçou, para mim, a compreensão de como o vínculo guarani com os caminhos é importante, visto que se consideram seus “guardiões”.

Mais que isso: a tribo inclusive sacraliza as caminhadas, que chama de oguatá.


“Oguatá, a caminhada, é a representação do percurso da reatualização do mito original da fundação do mundo mbya (guarani) e de seus heróis fundadores : a existência do mundo terreno se faz e é feita pelo movimento, nomeando o espaço, rompendo o território, redescobrindo e reconquistando o mundo.

A migração é a celebração e a lamentação dos mbya sobre o mundo natural e humano. Um rito de identificação de um povo que não pára, um povo que caminha no espaço vivenciado como um campo de constante travessia, movimento e reciprocidade, uma comunicação de palavras, bens, mulheres e homens que circulam ininterruptamente”. (129)


A antropóloga Flávia de Mello diz que nas caminhadas, até os dias atuais, está um desejo da tribo de imitar os deuses, além de ser um reforço aos poderes dos xamãs:


“Oguatá Porã significa literalmente boa caminhada. O caminhar tem uma conotação cosmológica fundamental para os Guarani.

(...)É a forma com que os deuses construíram o mundo, e o caminhar pelas distintas aldeias, reconstruindo suas casas, roças, suas vidas enfim, reproduz essa conduta (das divindades).

(...)Em sentido mais amplo, oguatá é uma metáfora para ‘viver’. As oguatá, ato de caminhar, ou as ‘viagens’, são ações fundamentais para a aquisição e a utilização dos poderes xamânicos”. (130)


De acordo com Dorothea Darella, para os guaranis as caminhadas, as migrações, os movimentos, “fazem parte de sua noção de mundo”. (131)

Juan Manuel Prieto, no artigo que me deu, mencionado antes, dizia que uma das razões que levavam os guaranis a revoltarem-se contra os jesuítas, era que estes os obrigavam a ficar dentro das reduções (criadas a partir dos anos 1600), proibindo-os de caminhar.

Egon Schaden, por sua vez, afirmava: “O guarani tem seu território nas pernas”. (132)

Imagine-se assim a importância que os caminhos, principalmente o Peabiru, teve para um povo como esse.



Os guerreiros vigiam o caminho

“Quando Nhanderu fez o mundo, ele fez também os caminhos”, disse um guarani a Maria Inês Ladeira. (133)

Flávia de Mello, para sua tese de doutorado, ouviu coisa parecida sobre a ligação entre os deuses e os caminhos.


“As narrativas de pessoas Chiripá e Mbyá com quem trabalhei indicaram que o ‘caminhar’ é uma conduta própria dos Guarani, preconizada pelos deuses, e que em si já consiste numa conduta sagrada”.


A presença constante nas rotas terrestres da América do Sul, desde milênios atrás, fez dos guaranis excelentes caminhantes. A tribo tem “etos de oguatá e seus heróis culturais são heróis caminhantes”, dizia Branislava Susnik. (134)

Esses laços estabelecidos com os caminhos fizeram surgir hábitos, costumes e técnicas muito interessantes.

A antropóloga Deise Montardo, por exemplo, fez em 1996 uma caminhada com um grupo guarani e viu o uso de regras especiais de etiqueta.


“Quando estive com colegas na aldeia Peperi, Misiones (Argentina), em 1996, caminhamos desta até a aldeia Barra Grande, distante cerca de duas horas de caminhada.

Quando estávamos próximos, o cacique que nos acompanhava parou de caminhar e avisou-nos que a partir daquele momento não deveríamos mais dirigir a palavra a ele e sim ao cacique da aldeia à qual nos dirigíamos.

Continuamos caminhando e ele foi tocando o popygua (Obs: Objeto composto por duas pequenas varas amarradas), avisando sobre nossa chegada”. (135)


Tal aviso, segundo Deise, se devia ao fato de que “as aldeias são guardadas por soldados que fazem a vigilância”. Não se tratam de soldados brancos, mas sim de guerreiros indígenas treinados na xondaro, a luta marcial da qual já falamos.

Alguns amigos guaranis me confirmaram que também em muitas aldeias brasileiras “os xondaro fazem a guarda dos caminhos” que levam a elas.

Nos últimos anos, em pelo menos duas oportunidades, ao visitar aldeias, percebi que já era esperada antes mesmo de desembarcar do automóvel. Não vi os guardiões, mas eles certamente avisaram a comunidade sobre minha presença na trilha de acesso.

É fascinante constatar a preservação do hábito de proteger os caminhos (e consequentemente, as aldeias), porque isso vem de séculos atrás, de tempos pré-colombianos. Foi o que disse Branislava Susnik.

Relatou ela que, antes da chegada de espanhóis e portugueses, os guaranis não permitiam que nenhuma outra tribo penetrasse em seus caminhos e territórios onde houvesse aldeias, se não tivesse um salvo-conduto, um passe livre, chamado de táhaé.


“Em todo o habitat guarani, os limites da tekoha (aldeia)eram infranqueáveis e se necessitava, para atravessá-los, o táhaé do chefe comunal (cacique)”. (136)


Com a invasão européia, no século 16, os guaranis se viram obrigados a liberar o táhaé aos espanhóis. Mas garantiram um acordo, que funcionou parcialmente nas primeiras décadas de 1500, para ser totalmente descumprido pelos invasores na segunda metade do século.

O trato era no sentido de que se os castelhanos evitassem cruzar por seus caminhos e aldeias (tekoha), eles, os guaranis, lhes levariam alimentos e outros produtos onde quer que precisassem.


“A entrega dos víveres era um modo de evitar a entrada direta (dos espanhóis) na tekoha e de manter longe o oguatáva ocasional (Obs: Caminhante branco ou indígena, de outro povo).

Por esta mesma razão, os víveres eram entregues, nos primeiros tempos, fora do limite da tekoha.

Esta tática circunstancial de uma defesa pacífica não caracterizava somente os Guaranis mas também os Arawak, os Xarayes e os neolíticos amazônicos em geral.

(...)Estes abastecimentos logo tomaram outro perfil, tornando-se doações forçadas e repetidas (aos espanhóis) que diminuíram a potência do depósito alimentar (guarani) e influíram na estabilidade precária da economia comunal”. (137)


A partir disso se poderia chegar a uma observação divertida.

O governador Cabeza de Vaca, no diário da viagem que fez de Santa Catarina a Assunção em 1541, falava vaidosamente do respeito e admiração que os guaranis tinham por ele.

Pois, dizia, em todo o trajeto os índios apareciam no caminho (Peabiru) para entregar comida a ele e à sua tropa. Mal sabia Dom Vaca que o que eles queriam mesmo era mantê-lo bem longe dos seus quintais...

Falando em coisas divertidas, os guaranis, como especialistas em caminhos e caminhadas parecem ter possuído truques peculiares para despistar perseguidores.

Bertoni, por exemplo, disse ter conhecido índios guaranizados, conhecidos como “bugres”, que costumavam andar pelos caminhos... de ré !

A coincidência é que há uma lenda guarani e tupi sobre o Pita-Yovai (Paraguai) e o Caipora/Curupira (Brasil), espécies de “duendes” que percorriam os caminhos da mata andando de costas, para confundir as pessoas.

No caso do Pita-Yovai, a figura tem 2 calcanhares em cada pé . Narra Lopez Breard :


“É indubitavelmente um mito que funda suas raízes na época pré-colombiana.

(...) Sua característica mais notável é a de ter, ao invés de dedos, outro calcanhar. O que torna impossível seguir seu rastro ou a direção que toma.

(...) É um mito que inquestionavelmente integra a constelação guaranítica, ainda que podemos dizer dele que está em via de extinção (Obs: Breard se refere a 1995)”. (138)


Sobre os índios que andavam pelos caminhos de ré, contou Bertoni:


“Estou convencido de que o caso do Puihta-Yovai não é mera superstição, ou lenda completamente infundada.

Além de tudo, é bastante raro que uma crença popular muito arraigada não tenha algum fato real como base e origem.

Pois bem, os ‘bugres’, quando se vêem muito acossados pelo inimigo e querem despistá-los, dão uma tal forma ao pé, em seus passos na caminhada, que resulta difícil saber qual é a direção que estão tomando”. (139)


Quanto ao Curupira guarani e tupi, além de andar de costas, curiosamente seria também o protetor de “um certo caminho” que levava a altas montanhas, segundo escreveu o padre José de Anchieta em 1560. Seria o Curupira um guardião do Peabiru ?


“Costumam os índios deixar em certo caminho, que por ásperas brenhas vai ter ao interior das terras, no cume da mais alta montanha, quando por cá passam, penas de aves, abanadores, flechas e outras cousas semelhantes, como uma espécie de oblação (ao Curupira)”. (140)


Não consegui descobrir entre meus amigos guaranis se, antigamente, tal prática de andar de costas foi verdadeira. À minha pergunta, recebi apenas sorrisos travessos...

Porém outros hábitos, que nada têm de folclore, foram seguramente criados para as caminhadas e os caminhos, os quais perduram até a atualidade.

Entre eles podemos citar os sonhos de decifração obrigatória antes das viagens (sem interpretar seus sonhos, o caminhante guarani não entra no caminho); o trançar e enfeitar os cabelos pelas mulheres; o amarrar do tetymakuá (espécie de cordão feito com cabelos femininos) na panturrilha pelos homens; o levar sempre consigo o popyguá de proteção.